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2019-11-06  (originalmente publicado a 2018-12-12)

Sefarditas, preserverância e determinação de uma nação

Sefarditas, preserverância e determinação de uma nação

 

 

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Seis séculos após a sua chegada à Península Ibérica, os sefarditas foram expulsos durante mais de 300 anos (recordando a teoria de que “tudo se repete”), período em que vigorou a Inquisição em Portugal e Espanha.
Hoje, passados os tempos conturbados, os direitos foram-lhes restituídos. Judeus que comprovem ter as suas origens em Portugal podem requerer nacionalidade portuguesa.

Os Sefardim, em hebreu, são os judeus originários de Portugal e Espanha, daí a origem da palavra Sefardita em hebraico Sefarad (ספרד) que significa Península Ibérica.

Embora possam existir hipóteses de que se tenham estabelecido na península em épocas anteriores, só existe confirmação da sua presença desde o final do Império Romano do Ocidente, por volta de 476 d.C., quando o Imperador Rómulo Augusto foi deposto.

A comunidade judaica, desenvolveu-se de tal forma no nosso país que, em pleno século X aquando da fundação do Condado Portucalense e após a conquista de Santarém aos Mouros, esta localidade tornou-se numa próspera comuna. Centrada na sua sinagoga, a mais antiga do reino, esta comuna (já referida no foral concedido em 1095 por Afonso VI de Leão), era uma das sete comarcas criadas por D. Dinis, a segunda mais importante do país a seguir a Lisboa, e reconfirmada por D. João I.

Em 1474, por morte de seu irmão Henrique IV, subia ao trono de Castela e Leão, D. Isabel. Falecido o rei de Aragão em 1479 (D. João II), Fernando de Sicília, seu filho casado com D. Isabel de Castela sucedeu ao trono aragonês permitindo a união de dois dos mais poderosos estados da Península Ibérica. A península estava assim reunida sob a mesma coroa à excepção de Portugal e o reino islâmico de Granada.

É nesta altura, que D. Fernando tem a triste ideia de implementar a Inquisição em terras espanholas. A troco de privilégios económicos, o inquisidor frei Filipe de Berbris, veio da Sicília convencer os reis católicos a estabelecerem a Inquisição, um tribunal eclesiástico cujo funcionamento era delegado directamente pelo Papa com o objectivo da condenação e expulsão dos hereges, no caso ibérico os “não católicos”. Juntando-se as vantagens que daí viriam também para a cúria romana, criada através de bula papal (Papa Sixto IV), nasce o tribunal do Santo Ofício, a Inquisição em Castela. Todos quantos fossem condenados como hereges eram expulsos do reino, ficando uma terça parte dos seus bens para os seus julgadores.

Terminada a Reconquista Cristã na Península Ibérica, que culminou com a tomada de Granada, em Janeiro de 1492, fim do Califado e consequentemente com a expulsão dos últimos muçulmanos de Al-Andaluz, os reis católicos decidem intensificar ainda mais a expulsão dos judeus de seu reino.

Tomada de Granada

Tomada de Granada

Nesta altura milhares de sefarditas castelhanos fogem para Portugal, juntando-se aos que já tinha fugido desde o início da Inquisição espanhola. Fixando-se em algumas comunidades judias já existentes (Porto, Santarém, Lisboa, Torre de Moncorvo e Évora) chegam a ascender as 100 judiarias em finais do século XV.

O crescimento económico do país deve-se muito ao crescimento da comunidade judaica e consequência disso o crescente comércio, actividade principal dos sefarad.

A chegada em massa destes judeus vindos do reino vizinho fez com que Portugal tivesse de se organizar para controlar as entradas em território luso. Foram designados postos fronteiriços por onde deveriam entrar, caso de Olivença, Arronches, Castelo-Rodrigo, Bragança e Melgaço. Nestes postos eram cobradas quitações de passagem. Os mais pobres entravam clandestinamente, subjugando-se a escravidão e maus tratos.

Em 1495 sobe ao trono de Portugal D. Manuel, duque de Beja. Uma das primeiras medidas tomadas após a sua posse como monarca foi dar liberdade aos judeus submetidos à condição de escravos.

O respeito e compaixão pelos sefarditas iria no entanto conhecer uma viragem. D. Manuel subiu ao trono após a morte de seu primo D. Afonso, filho de D. João II, que não tinha descendência monárquica. Ao herdar o trono, D. Manuel entendeu que deveria herdar também a viúva do primo, D. Isabel, filha mais velha dos reis católicos. Casando com ela o rei de Portugal via como interesse a união das duas coroas peninsulares.

Os reis de Castela aceitaram a proposta do rei português com duas condições: que Portugal se aliasse a Castela contra a França e por outro lado que expulsasse do reino todos os hebreus.

Em 1496 D. Manuel ordenou a saída do reino de todos os judeus não convertidos. Muitos hebreus com receio da expulsão abjuraram da sua religião convertendo-se ao cristianismo.

Haviam muitos judeus que preferiram morrer, ou mesmo matar os seus filhos, a converterem-se. Outros eram batizados voluntariamente ou à força, passando a designar-se de cristão-novos ou marranos como eram apelidados. Convertidos, pelo menos aos olhos dos cristãos-velhos, muitos continuavam a praticar o judeísmo de forma secreta (cripto-judeísmo).

Por decreto publicado pelo rei em Abril de 1499, os cristãos-novos estavam proibidos de sair do país. Durante a expulsão a maioria optou por sair do país rumo ao Brasil, Países Baixos, Médio Oriente e Norte de África. Um dos refúgios que mais judeus acolhia era o Império Otomano (actual Turquia). O imperador Bayezid II oferecia-lhes protecção. Istambul e Salónica (hoje faz parte da Grécia) eram os destinos mais procurados. Também em Marrocos, mais precisamente Fez, se formaram importantes comunidades sefarditas judaicas.

Rua do bairro judeu em Fez

Rua do bairro judeu em Fez

A perseguição aos sefarditas, convertidos ou não, conheceu a pior face em 1506 aquando da chamada “matança da Páscoa”. Entre duas a quatro mil pessoas, a maioria cristãos-novos, morreram.

Portugal atravessava um período de seca prolongada com surtos de peste. A 19 de Abril, na igreja do convento de S. Domingos, na baixa de Lisboa, alguém jurou ter visto o rosto de Cristo iluminado sobre um dos altares, assegurando tratar-se de um sinal de misericórdia divina e de futura bonança. Outro presente, por sinal um cristão-novo, discordou e disse que se tratava do reflexo do sol. Identificado como marrano, foi agredido pela multidão e espancado até à morte.

Inflamando ainda mais os ânimos, um frade dominicano, promete 100 dias de indulgências a quem matasse os hereges. Durante três dias dessa Semana Santa, bandos de cristãos percorreram as ruas de Lisboa, pilhando, violando e matando judeus convertidos, ou não, ao cristianismo.

Relatos macabros são feitos destes acontecimentos. Pessoas queimadas vivas em fogueiras públicas no largo do Rossio, corpos mutilados em plenas ruas e jardins onde abutres depenicavam. Pessoas passeavam e brincavam com cabeças decepadas. Estes episódios só viriam a ser controlados depois da intervenção das tropas reais de D. Manuel.

Em 1536 a falta controversa de uma visão histórica por parte de D. João III, e graças ao domínio dos poderes religiosos retrógrados acabaram com o pouco que tínhamos, com consequências sociais desastrosas e fuga de capitais e inteligência para o estrangeiro

Grandes feitos históricos tiveram colaboração de judeus portugueses ou que viviam em Portugal. Alguns exemplos disso são Abraham Zacuto, matemático e astrónomo, veio para Portugal expulso de Castela. Foi autor das primeiras tábuas quadrienais do Sol para a navegação ou Tábuas Afonsinas. Após a expulsão de Portugal, foi para o Norte de África e daí para Damasco. Outro exemplo foi Mestre Jaime de Maiorca (acredita-se que fosse o célebre cartógrafo maiorquino Jafuda Cresques). Devido à perseguição em Maiorca converteu‑se ao cristianismo mudando seu nome para Jaime Ribes. Na década de 20 do século XV mudou‑se para Portugal ficando ao serviço de D. Henrique e dos descobrimentos.

Marquês de Pombal consegue, de certa forma, transformar a Inquisição submetendo-a à autoridade da coroa. Por decreto pombalino em 1773, terminou com a distinção e designação, profundamente segregacionista, de “cristão-novo” e “cristão-velho”. Esta medida teve um grande impacto, de tal forma que, juntamente com outras medidas, a Inquisição é extinta em Portugal a 31 de Março de 1821.

Com o enfraquecimento e posterior extinção da Inquisição, no início do século XIX, assistiu-se gradualmente, ao regresso de muitos judeus a Portugal.

Hoje os judeus sefarditas são aproximadamente 3 milhões e meio, representando desta forma cerca de 18 por cento dos judeus de todo o mundo.

Revisão histórica: Dr. António Neves Berbém

 
 

Bertrand

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3 Comentários

  1. Cecília Maria Sardinha Abreu diz:

    Estou a fazer pesquisa com objectivo de construir uma narrativa ficcional sobre famílias sefarditas e este excelente artigo contribuiu significativamente para a compreensão factível do tema.

    Cecília Abreu

  2. Edward Georn diz:

    Excelente artigo!

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